terça-feira, 6 de dezembro de 2011

. Clarice, preciso conversar! .

- Alô, Clarice? Preciso conversar!!
- Como vai? Me diga, o que aconteceu para me ligar essa hora?
- Estou bem, como sempre, mas morrendo.. você sabe. Andei lendo umas coisas que você escreveu e , não é fácil acreditar quando falar de passado..
- Você e seus monstros embaixo da cama, mocinha?
- Antes fossem monstros embaixo da cama, eles só aparecem a noite, durante o dia nem lembramos deles.. É que, quando você se machuca, perdoa os erros passados, acredita de novo e se machuca de novo, pelo mesmo erro alheio, o que fazer?
- Perdoar de novo e voar de novo, para outro canto.. Você sabe disso.
- Mas Clarice, quando você fala "Você só terá sucesso na vida
quando perdoar os erros e as decepções do passado", o que quer dizer?
- Sabe porque as pessoas simplesmente não são plenas?
- Não.. estou tentando entender.
- Querida, nós não aceitamos perder, ser passado pra trás, quebrar rotinas viciosas. Chega uma hora que temos, por obrigação, que renascer, pra continuar vivendo.. algumas pessoas ficam tão amarguradas, que preferem virar cinzas e nisso permanecem.
- Eu sei, preciso perdoar.. mas, eu ainda não consigo me perdoar, por ter ido tão longe, por ter acreditado em tudo, do mesmo jeito, novamente..
- Esse é o problema, você não enxerga totalmente, é como se estivesse usando o óculos de grau errado, mas calma, um dia você acerta..
- E quando que isso terminar, o que será depois?
- Você ligará novamente, tomaremos um chá e fumaremos um cigarro.. Dirá que encontrou um novo amor, esperará por salvação, caíra e ligará novamente...
- Como você sabe?
- A vida é feita de amor, amigos, vícios e desilusão.. Mas acalma sua mente, deixa cada gota de caos escorrer, podemos viver assim, nessa linha tênue, até que...
- Até que..?
- Um dia poderemos descobrir.
- Um chá as 17h?
- Camomila e nicotina, em um passeio por toda Paris.
- O que seria de mim, sem você, Clarice?
- A mesma coisa de sempre.
Entenda, o que muda em nós são os rostos, não os roteiros.. pensa nisso, não precisa viver com alguém que não lhe quer tão bem, mas que você quer que seja. Nada forçado tem o mesmo sabor.. Querida, viver é perder-se também. Ouse arriscar em não ter nada nas mãos para amanhã, são as mãos livres que podem segurar novos presentes. Te espero aqui e continuaremos, com toda a calma do mundo.



sábado, 22 de outubro de 2011

. Eu sou o inimigo .

Eu já havia avisado sobre essa loucura toda que me cega. Na verdade, parece que não funciono quando as coisas vão bem, é como se o caos seguisse o tempo todo, é como se fosse um terceiro olho, uma anomalia, uma mutação em mim.
Me acostumei a ver a fênix virar cinzas e nascer de novo.. nasci sempre mais forte, até aqui. Como se um gato vivesse numa vida devasta até a 6ª e resolvesse ser converter, com medo da última, só que mesmo com tanto esforço e mudança, numa jogada de azar, escorrega e cai de costas, gastando a última chance, imbecilmente e quase sem querer.

É assim que me sinto, um gato estúpido que escorregou e gastou sua ultima vida.
É assim que as coisas tem sido por aqui.

Eu cansei de errar, cansei de me afundar em meu caos, em minha mente confusa, cansei de tropeçar na minha sombra. Não adianta o universo todo à favor, quando dentro de si mesmo, vivem inimigos, monstros do lago, que te devoram como câncer, que te fazem perder a esperança, que te fazem acreditar que não há amor do outro lado.
Eu sou essa doença que me corrói. Eu sou essa falta de amor, eu sou esse inimigo que nunca dorme, afinal, quem mais poderia me ferir tanto desse jeito senão a tentação dessa mania de querer viver à minha própria lei?
Sou eu o delator, o traidor da pátria, o pai que nunca mais voltou, o filho que fugiu de casa.
Eu me fiz assim, eu me sabotei assim, eu construí esse cavalo de Tróia, não por falta de amor próprio, mas por falta de fé.
Essa falta de ar, de chão, de fé, essa merda me mata lentamente, de forma rápida. Tenho vivido menos, tenho sonhado menos, estou sorrindo menos, agradecendo menos, dando menos "bom dia".
O ciúmes, o medo, a falta de fé. É tudo numa bomba nuclear, dentro de mim.

E para onde foram os que sempre estariam aqui?
Não, eles não existem mais, projetei como meus heróis e agora estão mortos. Há túmulos e velas por todos os lados.
Restou uma parte da minha mente, um pedaço de qualquer coisa, um grito.
Restou algum surto de consciência que me chacoalha e bate na minha cara, exigindo reação.

Sou eu, frente ao espelho quebrado, lutando pra tentar me ver novamente, sem essas máscaras de ferro, sem o lápis borrado e as cicatrizes.

Não sei como, mas, eu exijo que essa parte de mim vença. É a minha vez de tomar as rédeas da minha vida, de estancar essas feridas e limpar as manchas de sangue no tapete.

Eu não sei qual caminho seguirei, mas eu juro por tudo que é mais sagrado e imaculado nesse mundo, esse caminho me levará até você.

Te levarei até o cume e mostrarei como sou no sol.
Bem mais que aquele leão masoquista e doentio.


quinta-feira, 18 de agosto de 2011

. Espreita .

E que não se atreva a chegar perto demais, fique aí, na margem de lá, na linha de tolerância, de um lugar que eu não possa ouvir seus pensamentos. Não me provoque com sutis frases doces, não me faça acreditar na anarquia de um coração, não me deixe esperar. Fique do lado de lá, mas não saia do meu alcance, fique perto, mas distante, quero te ver, mas não te acompanhar. Não quero te levar, quero ir, voltar e te ver onde está. Não diga que me quer bem, diga apenas bem, pois se falar em querer, morrerei por alguns dias... Só diga bem, o querer é meu e sei que é falho, bobo, utópico. Não me conte suas verdades, não fale com quem andou, apenas confie em mim, mas não me toque, não me olhe profundamente, não leia da janela, não acompanhe meus passos, não adentre o arame farpado, ainda está tudo frágil, não posso arriscar.


Sei que vai doer, mas também sei que vai passar. Já ouço a canção da despedida, mas ainda não passou.



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

• Você Nem Sabe •

Você nem sabe, garota, mas eu vigio seu sono, seu olhar, sua respiração. Nunca deixei de te amar, nem de te querer, só te quero baixinho, interno, pra mim, só te quero para querer recordar que já tive assim, pertinho.

Você nem sabe, guria, mas reparo em você, na forma com que mexe os ossos, no seu passo curto, arrastado. Você, menina do sorriso raso, do abraço apertado, do olhar impossível de acompanhar, não sabe e nem deveria saber, mas quando se sente o furacão todo, de dentro pra fora, passa vida, passa ano, passa hora, a gente sempre namora com o lado de dentro o que resta do lado de fora.

Faça barulho, faça silêncio, faça de tudo, ninguém mudará.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

. Impotência .

Queria ser o que você precisa agora.
Queria ser agora o que você precisa.
Ser dois braços envolvidos num laço,
Ser um lenço molhado,
Ser um silêncio preciso, uma falta do que falar, de perto
Queria ser o olhar que te conforta
Ou a porta aberta pra chorar.
Ser o ombro, os pés, as mãos
Ser tua protetora ou apenas uma canção.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

• Partir, partindo •

Sempre fui assim, corrosiva. Nunca tive medo de encarar meu sexto sentido, dar um basta nas vozes me alertando sobre o caos, nunca tive medo de ultrapassar a faixa de segurança.Seria apenas mais um dia, talvez fosse alguma força cósmica tentando não me deixar viajar. Mas era São Paulo, era um show cheio de amigos. Era ela.

Me arrisquei, peguei a estrada de novo, queria me perder naquilo que nem eu entendia.

Nada mais me importava.


É como se todos os meus sentidos sumissem com a sua chegada, ao mesmo passo que ficavam sensíveis, ali, imersos em casa movimento seu. Era ela, era tudo.





Nos encontramos naquela fila de show, meu coração era escola de samba em pleno Rock and Roll.

O tempo não havia quietado as coisas dentro de mim, havia fumaça, havia calor quando sentia seu sorriso perto. Será que é isso que acontece quando amamos alguém? Essa sensação de observar cada encher de pulmões, essa coisa toda de não escutar o mundo além das sílabas pronunciadas pelo ser amado.


Aconteceu como acontecem os raios, como as tempestades acontecem, como uma criança nasce. A Fração de segundos que muda tudo, dentro e fora de nós.

Começos trágicos tendem a ter finais trágicos.

Era a tragédia, a comédia, a platéia. Tudo perfeito, simetricamente.

Se não fosse eu perder o papel principal e virar expectadora do meu próprio fracasso. Um minuto, uma ligação, um carro chegando com um par de olhos.


Era o que eu queria ser, em outro corpo.

Era o centro das atenções do meu amor, platônico agora.

A morena chegou e levou a minha paz, a minha fala. Fiquei parada vendo os braços se entrelaçarem, não eram meus braços, não eram meus olhos brilhando.

Sentia meu coração explodir, de raiva, de decepção, de morte.

Ela precisava saber que eu estava ali, vendo tudo, que eu havia sentido cada pedaço do meu ser esborrachar no asfalto, eu queria gritar, chacoalha-la.

Respirei o máximo de ar para os pulmões, estava disposta a parar aquilo, mas, entre um abrir e fechar de olhos, tudo estaria arruinado.

Foi o beijo apaixonado que eu não dei.


A morena estava lá, em seu devido lugar, ganhando o prêmio, levando o troféu. Estava derrotada, perdi e sabia que era mais que um beijo. Os olhos dela transbordavam vontade, não havia mais Ás na manga, eu era carta fora do baralho.

Já não havia o que perder, o chão amoleceu com aqueles cinco passos.

O barulho da rua, da buzina, das pessoas me alertando.. Nada mais pude ouvir, não ouvi a minha voz, nem a voz de ninguém.


Fixei meu olhar nas duas, era uma cena que jamais poderia esquecer. A dor, a queda, a sensação de estar vazia, estéril.

Cinco passos e um corpo em movimento.

Não pude ver os carros passando, não vi os sinais.

O corpo arremessado no asfalto, junto com todos os sonhos.. Era eu, eram todos meus pedaços moídos. As pálpebras carregando todo o peso do caos, a multidão se amontoando.

Em uma batida certeira, o ônibus não pode parar. Eu não parei, não respeitei os sinais, nem os meus, nem os de ninguém.


Não doeu.

Não senti meu corpo flutuando até o chão. Não ouvi meus amigos em desespero, não pensei em meus pais, nem vi a vida passar como um filme.

Doía em mim os lábios se tocando.

Ela não me viu, a morena não deixou que um corpo estendido em plena São Paulo atrapalhasse aquele beijo.

As sirenes berravam por mim, a voz não saia, queria apenas ver a vida escorrendo pelo ralo, dentro dos olhos dela.

Os meus olhos marejados com a despedida não correspondida.

Os olhos dela refletindo a felicidade do encontro com a pessoa amada.


Talvez eu aprenda a me ouvir mais, a entender o universo tentando me alertar, a ouvir a buzina dos carros, as pessoas me alertando.. Mas talvez, eu só quisesse ter caído, talvez fosse tudo como deveria ser.

Era eu indo embora, era ela vivendo intensamente. Afinal de contas, que culpa teria? Ninguém errou, só ultrapassei o sinal aberto, como sempre fiz, como toda regra, que pra mim, não existe.

Eu sempre encontrei uma forma de burlar as leis, nunca me contive dentro de um molde, só que como tudo, há um preço a se pagar.


Alguém me disse, dentro de um quarto branco: "Ela nunca saberá de nada, aquela noite, você esteve perdida, no lado errado, no lugar errado, como sempre esteve."


Parti partido e despedaçando tudo que encontrei em meu caminho.

Como as tempestades que lavam as ruas e destroem as casas, eu havia saltado sem rumo, sem a benção de Deus.

Partindo, partida.

E nem sei se ela lembrará dos dias vividos, dos sorrisos dados, já que seu pensamento estaria ocupado por alguém real.

Não existir tem seu gosto amargo, partir esquecido.

Talvez uma prece no sétimo dia, uma coroa de flores ou uma nostalgia quando se lembrar de alguma piada sem graça.


Algum dia, saberei.


segunda-feira, 23 de maio de 2011

• Lose Control •

Tudo tem estado assim, estranho.
É como se eu não pudesse reconhecer mais eu em mim.
É como se eu houvesse perdido minha essência e não falasse mais comigo no espelho.
Tenho estado assim, estranha à mim.
Não acredito mais em nada, tal vunerabilidade me faz frágil a ponto de acreditar em tudo que me dizem.
E contradito, faço, refaço e não desato os nós em mim.
Essa coisa toda me sufocando, o relógio, os pés cansados, o olho marejado, as filas, o barulho alheio que ensurdece meu silêncio. Tenho estado em silêncio para não falar demais.
Na verdade, perdi a vontade de falar, de mostrar meu caminho para que outros andem por ele.
Não quero receber visita, não quero arrumar a bagunça, não quero mostrar meu canto.
Só quero que alguém entre sem bater, que me procure no meio das roupas jogadas no chão, que me ache e me diga onde estou.
Cansei de fazer manual de instrução pra ninguém usar.
Nos meus 10 mandamentos não há nada além de "entre e me mostre o que é viver." 10 vezes, escrito na pedra, na terra, na testa.

Não quero mais viver minha vida em conta-gotas. Quero minha liberdade, minha vontade de mudar o mundo, meu discurso sobre extraterrestres e o amor.. É, o amor.
Não me falta amor, me falta o cuidado.
Me falta uma ligação de madrugada, um beijo roubado, me falta atenção sem pedido.
Me faltam os de sempre e os novos.
Sinto falta de mim.
Sinto falta do que eu era.
Quero mergulho em águas desconhecidas, quero queda-livre, quero vento sem direção.


Estou pedindo um resgate, um milagre, um bote salva-vidas, um porto, um cais ou apenas um farol que me mostre por onde andar.



segunda-feira, 9 de maio de 2011

• A Dama do Vento •

Certa vez, uma menina disse que eu era um anjo caído, ela me fez acreditar que troquei asas por pedaço de carne. Ela me fez sonhar, ganhar um codinome, ser desconjurada, sentir o inferno arder no peito, fez das penas do seu travesseiro o que outrora perdi.

Uma moça de lábios largos, sem cadarços no sapato, com lápis nos olhos e pouca bagagem.
Uma menina, um pouco feiticeira, um pouco donzela, sereia, monstro do lago, que me pegou na esquina do improviso, que aproveitou do meu sorriso para adentrar meu espaço.
Ela chegou e pôs os pés na mesa, quebrou as regras, deixou-me sem ar. Veio como uma brisa, refrescou-me o rosto e fez chover onde era deserto.
Essa mulher, moça, menina.. essa anciã que tanto me ensina a cada segredo seu.
Era eu, era ela, era sopro de dragão em plena primavera.
Era abraço de urso, era toque de fada, essa moça singela, cheia de amarras.
Um dia me disseram e foi com olhos de rejeição, que por mais que eu quisesse, ela nunca seria uma parte de mim, não falaram da boca pra fora, disseram em silêncio que morrerei pouco a pouco, que cada beijo seria o esboço da tempestade a enfrentar.
Eu não acreditei, sempre tão cheia de confiança, quis entrar nessa dança sem ao menos ter um par. E dancei, tenho dançado cada passo como se o próximo ato fosse simplesmente o chão.
E caio, me arrebento, fico esperando um novo vento que me dê a direção.

Estarei aqui, quando não puder voar sozinha, menina. Estarei em cada letra do teu vocabulário, em cada devaneio dos seus braços, estarei em seu quarto, pronta para afastar de ti os medos da noite.
E se um dia, não puder ganhar-te em um sorriso, que não me venha o paraíso e seus seres celestiais.
Parece um soneto de despedida, ouça, meu amor, a canção de partida.
Dama do Vento, diz que foi apenas o tempo, esse velho doido, que te soprou daqui e ele a trará de volta, para me assustar ao bater a porta, esteja aqui, a zunir em meus ouvidos que jamais me esquecerá.



(Não se assuste, minha tendência ao egoísmo louco está apenas começando, não desisto fácil, não te deixarei à espera de outro rumo, moças como você são como borboletas, vivem e se deixam viver apenas por 24 horas. Renascem, cheia de vida, para morrer ao fechar os olhos, um dia por vez).

segunda-feira, 4 de abril de 2011

• O Encontro •

E um dia, andando na rua, Amelie encontra Nino.
Nino, um jovem rapaz, carregava em si a felicidade de uma criança, era luz, sol, tinha um par de olhos que iluminavam qualquer lugar.
Amelie não estava bem, com tanto problema no mundo, tanta gente morrendo, essa pequena salvadora não poderia estar diferente. Todo dia, Amelie acordava com o coração triste, sentia sua alma pesada, queria ver pessoas sorrindo, mas ao ligar sua televisão, nossa pequena adoecia um pouco mais.
Nino tinha o brilho que Amelie precisava, para não se afogar em amargura.
Quis o destino, as forças do universo, o cosmo, as aranhas radioativas ou qualquer homem-morcego-voador, que os dois pudessem cruzar os olhares.

Amelie ficou cega com tanta luz.
Nino sentiu paz, aquela que buscava.
Estavam ali, intrigados com tudo isso. Eles foram apresentados, esquentaram o corpo com algumas doses e falaram sobre tudo que poderia ser falado.
Amelie havia tomado sua primeira dose de amor.
Nino estava sentindo o mundo mais leve.
Não se sabe o que aconteceu naquele momento, mas era mais forte que as bagagens e a falta de sorte de outrora.

Aquela noite, Amelie foi embora cantando, dançando na chuva, sem medo.
Queria gritar para todo o bairro que havia encontrado o que lhe faltava, queria correr em direção ao mar, queria abraçar uma criança, se jogar na lama.
Já não estava mais sufocada, Nino, rapaz de bom coração, conseguiu devolver à moça a leveza das coisas, dando-lhe com um doce beijo, um sopro de vida.

quarta-feira, 16 de março de 2011

• The Future is Dead •

Começou faz tempo, o tempo faz tudo desfazer, eis que vira pó.
A vida, a rotina, as bagagens, os timbres, tudo se vai.
Estamos aqui, agora. O acelerar dos ponteiros pode nos colocar pra fora do tabuleiro.

Esvaziando, petrificando.
Acordar cansa, respeirar cansa, pensar dói.
Estamos doentes, alma, matéria, pensamento. Sinto em mim todas as dores do mundo, sinto o inferno dos outros, o meu próprio inferno.
Sinto a Via Crucis de cada criança largada na calçada, de cada pessoa à espera de um milagre, de cada filho de Cristo, implorando pão, de cada pagão tentando não suplicar perdão de Deus, por medo do Diabo.
Eu sinto, cada célula do meu corpo absorve a fumaça e a poeira de viver.

E sufoca.
Dói, não sei por onde.
Sinto falta, de Deus, de paz, dos meus pais me pegando pela mão.
Estamos livremente presos nisso tudo.
Liberdade clandestina essa, que nos obriga a sobreviver pra comer, sem comer pra sobreviver.
Liberdade que nos prende em cada centavo, milímetro, formatação.

Eu disse, dói.
Morrer que é fácil, tudo de uma vez.
Ver os sonhos virarem poesia e só, isso sim é tortura.
E se não fosse a poesia, uma bala, um dose errada. Facilidade.

Que me reste de tudo, o que julgo AMOR.
Que me reste o sorriso de alguma criança, mesmo que adulta.
Que me reste a saudade do que foi bom, o amor inacabado.
Que me reste a imagem de um homem bom, justo.
Que venha a maldade e sua foice afiada.
Que venha a onda, o abalo, a radioatividade.
Que venha a falta de mãe, de paixão, a falta de dom.

Aqui estarei para lembra que, mesmo com toda a escuridão, escrever salva.
Caos no papel, na tela, na mão.
Cada palavra me acrescenta um minuto de vida, mesmo que seja para ver a destruição.


Irremediavelmente apaixonada pela vida, em toda sua espécie.